terça-feira, 14 de agosto de 2012

Sonetos




E o pai que declamava tinha um livrinho de SONETOS BRASILEIROS, organizados por Laudelino Freire, cujo prefácio é de 1914, em Paris. São 105 sonetos e 105 retratos, incluindo Gonçalves Dias, José Bonifácio e  Fagundes Varela, com seus sonetos, expressão de uma época, de um modo de ser e pensar.  E meu pai declamava, nós amávamos cada poema, cada foto. E declamava um deles, em especial, para minha mãe, talvez profetizando a vida deles...

" Os Cisnes "
Júlio Salusse (1872/1948)


A vida, manso lago azul, algumas
vezes, algumas vezes mar fremente,
tem sido para nós, constantemente,
um lago azul, sem ondas, sem espumas.

E nele, quando, desfazendo brumas
matinais, rompe um sol vermelho e quente,
nós dois vogamos indolentemente
como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia, um cisne morrerá por certo.
Quando chegar esse momento incerto
no lago, onde talvez a água se tisne,

- que o cisne vivo, cheio de saudade,
nunca mais cante, nem sozinho nade,
nem nade nunca ao lado de outro cisne.





































segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Um Pierrot apaixonado...

(pequenos trechos que marcaram a minha vida, vale a pena a leitura completa - http://www.jornaldepoesia.jor.br/mpicchia04p.html)



MÁSCARAS –Menotti Del Picchia (1892-1961)

PERSONAGENS
Arlequim : Um desejo
Pierrot : Um Sonho
Colombina: A Mulher

Em qualquer terra em que os homens amem.
Em qualquer tempo onde os homens sonhem.
Na vida.
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ARLEQUIM
Como as espigas...
Como os raios de sol e as moedas antigas...Notei-lhe, sob o luar, a cabeleira crespa, anca em forma de lira e a cintura de vespa, um cravo no listão que o seio lhe bifurca, pezinhos de mousmé, olhos grandes, de turca... A boca, onde o sorriso era como uma abelha, recendia tal qual uma rosa vermelha.
ARLEQUIM - O beijo da mulher! Ó sinfonia louca da sonata que o amor improvisa na boca... No contado do lábio, onde a emoção acorda, sentir outro vibrar, como vibra uma corda... À vaga orquestração da frase que sussurra ver um corpo fremir tal qual uma bandurra...Desfalecer ouvindo a música que canta no gemido de amor que morre na garganta...Colar o lábio ardente à flor de um seio lindo, ir aos poucos subindo...ir aos poucos subindo...até alcançar a boca e escutar, num arquejo, o universo parar na síncope de um beijo!
A mulher? É verdade...
Levou naquele beijo a minha mocidade

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PIERROT   -   É tão doce sonhar!... A vida , nesta terra, vale apenas, talvez, pelo sonho que encerra. Ver vaga e espiritual, das cismas nos refolhos, toda uma vida arder na tristeza de uns olhos; não tocar a que se ama e deixar intangida aquela que resume a nossa própria vida, eis o amor, Arlequim , misticismo tristonho, que transforma a mulher na incerteza de um sonho....
ARLEQUIM - Tua história, vai lá! Senta-te nesse banco. Conta-me: “Era uma vez um Pierrot muito branco...”
A história de um Pierrot sempre nisso consiste... Começa.
PIERROT narrando: “Era uma vez... um Pierrot... muito triste... “
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ARLEQUIM - E beijaste-lhe a boca.
PIERROT, cismarento: Não...Para que beijar? Para que ver, tristonho, no tédio do meu lábio o vácuo do meu sonho... Beijo dado, Arlequim, tem amargos ressábios...
Sempre o beijo melhor é o que fica nos lábios, esse beijo que morre assim como um gemido, sem ter a sensação brutal de ser colhido...
ARLEQUIM, tristonho: Essa história, Pierrot, é um pouco merencória...
PIERROT -  A história desse olhar é toda a minha história.
ARLEQUIM - E não a viste mais?
PIERROT - Nem sei mesmo se existe...

ARLEQUIM, contendo o riso: É de fazer chorar! Tudo isso é muito triste!
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COLOMBINA, hesitante:
A Pierrot: Eu amo-te , Pierrot...
A Arlequim: ... Desejo-te, Arlequim...
ARLEQUIM, soturnamente: A vida é singular! Bem ridícula, em suma... Uma só, ama dois... e dois amam só uma!..
COLOMBINA , sorrindo e tomando ambos pela mão: Não! Não me compreendeis... Ouvi, atentos, pois meu amor se compõe do amor de todos dois... Hesitante, entre vós, o coração balanço:
A Arlequim: O teu beijo é tão quente...
A Pierrot: O teu sonho é tão manso...
Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando a Arlequim meu corpo e a Pierrot a minh’alma! Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho, pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho!
Nessa duplicidade o amor todo se encerra: um me fala do céu... outro fala da terra!
Eu amo, porque amar é variar, e em verdade toda a razão do amor está na variedade...
Penso que morreria o desejo da gente, se Arlequim e Pierrot fossem um ser somente,
porque a história do amor pode escrever-se assim:
PIERROT
Um sonho de Pierrot...
ARLEQUIM
E um beijo de Arlequim!
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Acho que meu pai era parcial na sua leitura, tendendo a defender Pierrot, também eu sempre 
torci por ele.

A saber: Esse poema foi escrito em 1920, transcrevo notícia de um jornal em 1917



"Itapira, interior paulista, 1917. Jovem de 25 anos publica livro que já reúne traços do nacionalismo que o Movimento Modernista consagraria anos mais tarde.
Autor: o paulistano Menotti del Picchia, nascido em 20 de março de 1892. Obra:Juca Mulato. Poema regionalista, conta a história de um caboclo que se apaixona pela filha do fazendeiro.
São Paulo, capital do Estado, 1922. Menotti é um dos articuladores da Semana de Arte Moderna. Militante da estética modernista, ao lado de Plínio Salgado, Guilherme de Almeida e Cassiano Ricardo, cria o grupo Verde-Amarelo. Vertente conservadora do Movimento Modernista, criticava o “nacionalismo afrancesado” de Oswald de Andrade. Propunha a recusa às influências estrangeiras e a busca de uma literatura que expressasse a realidade e a essência brasileiras: um nacionalismo primitivista, ufanista, mítico, cheio de apelos e exaltações à natureza e à “raça” brasileira.
Poeta de prestígio, escreveu também romances, literatura infanto-juvenil, contos, crônicas, novelas, ensaios, peças, estudos políticos. Mas, escreveu Manuel Bandeira: nenhum dos seus livros modernistas superou o êxito de Juca Mulato, onde o poeta se apresenta em sua feição mais genuína. A obra vendeu mais de 40 milhões de exemplares no Brasil, Alemanha, Itália, Espanha, França e Polônia.
Em 96 anos de vida, Menotti del Picchia recebeu inúmeras homenagens, prêmios e foi proclamado Príncipe dos Poetas Brasileiros". (http://mnegocio.blog.uol.com.br/arch2010-03-14_2010-03-20.html)




domingo, 12 de agosto de 2012

Dia dos pais


Pai é pai!

      Meu pai era um homem que declamava. Em vários idiomas.  Assim era meu pai.  Lia Shakespeare, cantava ópera em alemão e declamava.   Algumas coisas,  ainda posso ouvir com todos os detalhes, como algum sibilo nos “s”.   Quando ouço Vinícius de Moraes declamando algum dos seus lindos poemas, chego a fechar os olhos para ouvir,  me lembra muito a voz e o jeito de meu pai. Afinal, são contemporâneos.  Tantas  vezes ouvi o poema “Máscaras”  de Menotti Del  Picchia, inteiramente interpretado, que ainda sei de cor alguns trechos.    Eu sofri tanto  com a dor de Pierrô...

      E meu pai contava os “causos”  da infância, do seu cachorrinho e dizia que manteiga só era passada no pão como prêmio ao bom comportamento. 
Reza a lenda também, que minha mãe marcou a vida de meu pai desde o dia em que nasceu.  Contava ele, que na data do nascimento de minha mãe, aos 26 de fevereiro de 1927, houve uma explosão em uma das casas da vila onde ele morava, atingindo também a sua casa, tendo eles perdido tudo, recomeçando, mais uma vez.  No dia 22 de fevereiro meu pai havia completado 13 anos e no dia 26 alguns amigos teriam ido cumprimentá-lo,  minha avó saiu de casa com eles para mostrar algo do lado de fora e assim, por sorte, não morreram todos na explosão.

      Não sei o que tem de verdade nas  suas histórias. O que importa?  Muitas delas,  que considerei fantasiosas, foram comprovadas por amigos depois que ele partiu.   Sobre o seu cãozinho Tigre e sobre a explosão eu consegui registros no livro de minha avó. Consta a data de 23 de fevereiro,  afinal,  pequeno engano ou licença poética de meu pai são totalmente perdoáveis.






1 - Dia 24 de junho, aniversário de Tigre, cãozinho de Fritz
2 - Dia 23 de fevereiro, às seis e meia da tarde, explosão em casa, rua Barão de Petrópolis, 69 -  no ano de 1927


      














A alegria com a quinta filha...




Ele ficou pouco tempo conosco, muita ausência física, mas a importância desse homem em nossas vidas  é incontestável.  Certa vez, uma amiga que eu levei a casa de minha mãe se surpreendeu ao nos ver falando de dele com tanta naturalidade.  Ela disse que parecia falarmos de alguém que tinha ido à padaria e já voltava.  Ele não volta, mas foi ali e logo nos reencontraremos todos.  



  
Pai, assim nos vemos, sempre juntos, de mãos dadas, galgando, aos poucos, nossos degraus, sempre sentindo sua proteção, nos acompanhando, estimulando a cada "fera" que encontramos nos caminhos.