O
dia de Cosme e Damião era muito aguardado na minha infância, chegávamos a pegar
"senhas" antecipadas, pela ladeira, pra chegar nos lugares
certos. Lembro-me, também, que algumas
casas preparavam grandes mesas com quitutes e abriam as portas. No Largo das
Neves, a casa do Antonio Carlos, amigo da Maria Izabel e da Maria Regina, era assim. Passávamos o dia recolhendo
saquinhos, que nem sempre comíamos...
Meus
filhos ainda puderam ver essa festa, morávamos num grande condomínio e nesse
dia nenhuma criança ia à escola e o corre-corre ficava nos elevadores. A campainha tocava o dia inteiro, com as
crianças perguntando: - Vai dar doce?
Lembro-me
especialmente de um dia, quando Leonardo ainda frequentava a Creche Tia Ney, no
próprio condomínio. No dia de Cosme e Damião, quando cheguei do trabalho, Clarisse
e Cláudia não estavam em casa, pois tinham ido recolher doces. De repente, ao
atender a campainha, vejo o elevador cheio de crianças e meu filho, de um ano e
meio, descalço, só de fraldas, com saquinhos na mão, muita baba de doce, muita
sujeira nos pés e joelhos, mas um sorriso, uma alegria! Elas tinham autorização pra pegá-lo na
creche, quando eu já estava chegando, mas nesse dia, elas o haviam tirado da
creche mais cedo e o levado pra participar da "coleta". Eu já estava preparando a maior bronca do
mundo, mas quando vi aqueles rostinhos todos, brilhando de tanta felicidade,
tive que rir e permitir a continuidade dos trabalhos. Tudo o que eu queria era
poder vê-los sempre tão eufóricos, para isso vivemos, fazer nossa prole feliz.
Que S. Cosme e S. Damião protejam todos os filhos!
Grandes
cantores começaram sua carreira nos corais religiosos. Eu juro que tentei. Tentei, quando já sabia ser impossível, sou
muito desafinada. Desde bem pequena soube disso. Sofri bullying, devo ser um dos primeiros casos... Nunca pude cantar um “parabéns a você”, todos
olham pra trás, pra ver quem “entrou” (ou saiu do ritmo). Já ouvi de tudo sobre isso. Um músico, que namorava minha irmã, tentou me
acompanhar ao violão, ninguém consegue mesmo, ele disse que não sabia como eu
conseguia aprender idiomas...como eu conseguia falar português? Quando eu dava
aulas de português para estrangeiros, numa turma de espanhóis, cantei um
trechinho de uma música, desabou uma tempestade (juro que não tive culpa), mas
durante anos isso era lembrado.
Escreviam cartas (não tinha internet) da Espanha, perguntando seu eu
havia cantado, devido à quantidade de chuva... Estou acostumada, só canto
baixinho, na minha casa. Bom, no carro,
sozinha, dá pra cantar mais alto um pouco, com janelas fechadas...
Sobre minha carreira, ou o que podia ter sido o
início de uma carreira, me lembro bem como foi.
Lá pelos dez anos, na Igreja N. Sra de Fátima, o padre reuniu a
criançada no auditório pra escolher alguns pro coral. Todos cantando e ele passeando pra ouvir,
parava diante da criança e avisava: você
vem depois... Claro que eu não ouvi esse convite. Claro também, que ele não fez lista dos
convidados. Fui. Vejam o quanto eu desejava cantar! Pensei, na minha tenra idade, que o pior
que podia acontecer era eu dizer que me enganei. Participei do coral todo o tempo que ele
existiu. O padre nunca deve ter
entendido como me chamou... Eu ainda me lembro de cada música que cantei na igreja.
Esse vídeo me lembra essa época, em que íamos
cantando em procissão.
Apesar disso tudo, posso dizer que tenho uma vida
musical, minha história é pontuada pelas músicas. Cada música é trilha sonora
de um momento vivido.
Talvez ninguém entenda com tanta perfeição a
música do Tom Jobim, as pessoas não sabem que um desafinado também tem um
coração.
Não posso cantar, sequer bater palmas ou caixinha
de fósforos, já desisti. Não consigo
perceber que alguém desafinou cantando, mas
isso me faz muito feliz, sou muito menos exigente. Gosto de todos os estilos musicais, na minha
cabeça tenho até trechos de ópera, com todas as nuances harmônicas...
Segundo o Lair Ribeiro, quando alguém canta é
porque está feliz e a recíproca popular também é verdadeira, quem canta seus males
espanta.Já tive momentos complicados em
que tentava cantar e gaguejava, falhava e tentava de novo, até que realmente me
sentia mais leve.Momentos assim são
cada vez mais raros, cada dia canto mais e sou mais feliz.Como diz Martinho da Vila, a vida vai
melhorar...
Quando a saudade invade, sinto o beija flor
trazendo o beijo tão desejado, conforme o Geraldo Azevedo canta.
Na minha vida, encontrei esses muitos parceiros, esses maravilhosos compositores e cantores, que sabem da minha emoção e me ajudam a externá-la, música é um instrumento da minha felicidade,
da minha catarse, quase em sempre é com música que extravaso em lágrimas pra
seguir em frente, sempre mais feliz! Imagina o que um desafinado sente ao assistir
uma pérola como essa...
Assim é minha vida, mesmo desafinada, com emoção à flor da pele e sempre uma boa música na alma.
Hoje em dia, tudo ficou mais fácil com o Youtube, qualquer música a qualquer hora. Finalizo com essa música que marcou minha adolescência.
Me esforço pra ser melhor a cada dia, como Cora Coralina, não só bondade se aprende, tudo pode
melhorar. Cada atitude, cada gesto, cada pensamento.
Sinto que estamos vivendo uma era epistolar. Mudança de tempos.
Desenvolvimento, descobertas, tecnologia, comunicação instantânea com todas as
partes do mundo (universo?!), mas falta tempo...
Além de todas as obrigações do dia, ainda temos que checar e
responder aos inúmeros emails, seguir o Twitter e Facebook. Não há tempo para
bate-papo. As operadoras de telefonia móvel já oferecem pacotes interessantes
de torpedos, pois muitos dos usuários já abdicam da conversa em troca das
mensagens escritas, muito notadamente entre os jovens e enamorados em geral. A oralidade vai perdendo
um pouco da magia. Quem escreve pode
completar um pensamento, sem ser interrompido, quem lê, pode reler depois com
mais calma. Fica o registro, exigindo mais cuidado.
As redes sociais recuperaram os conhecidos de toda a vida, desde
as primeiras classes escolares, o condomínio onde se morou com três anos, os parentes
mais longínquos e aquele amigo que mora no Japão. Hoje todos se falam o tempo
todo, sem o custo de uma ligação internacional.
E a conversa pode se estender, pode-se discutir desde uma teoria
freudiana ao Código de Defesa do Consumidor.
Pode-se mandar um poema, uma música, uma oração ou aquela foto do seu
tombo. Compramos, vendemos, rimos e
choramos online. As angústias e as alegrias podem ser compartilhadas o tempo
todo, em cada pequeno espaço de tempo, bastando a posse de seu celular.
Vejo com muito carinho a volta do texto, mesmo com a grafia
adaptada, acho que mais importante é a
colocação do pensamento, a organização do seu próprio ser.
Agora que temos de volta tantos amigos, que nem temos tempo de
vê-los, que simplesmente “postamos”
frases em seu mural, temos o compromisso mostrar o nosso melhor. Um nosso melhor que está sendo produzido a
cada minuto, todos são “melhores”, todos
“postam” gentilezas, que geram outras gentilezas. Se estamos tristes, desanimados, tem sempre
um amigo pra fazer um cafuné no ego. Como faz bem e cuidamos de retribuir, de
compartilhar. Qualquer frase politicamente incorreta é criticada e corremos a nos
corrigir, corrigir mesmo, pois, paramos pra pensar a respeito. Acredito que seja
assim com a maioria das pessoas. Pessoas
que já eram de bem, mas agora estão ainda melhores. Tenho percebido claramente
isso entre meus amigos.
“E cada mil
pessoas que eu for fingindo que serei
Eu serei quando alguém vir em mim o que ele será”
Acredito num mundo melhor, acredito num homem melhor e estou
apostando nessa fase de relacionamentos virtuais, nessa fase escrita, como
instrumento de lapidação pessoal.